Nota oficial SRad-RJ

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NOTA OFICIAL
Sobre o estudo “Projected Lifetime Cancer Risks From Current Computed Tomography Imaging” – JAMA Internal Medicine, 2025
Sociedade de Radiologia do Estado do Rio de Janeiro (SRad-RJ)
Rio de Janeiro, 16 de abril de 2025
A Sociedade de Radiologia do Estado do Rio de Janeiro (SRad-RJ) vem a público manifestar-se oficialmente sobre o recente estudo publicado na JAMA Internal Medicine (Smith-Bindman et al., 2025), que estimou mais de 100 mil casos futuros de câncer nos Estados Unidos atribuíveis à radiação de exames de tomografia computadorizada (TC) realizados em 2023. O estudo ganhou ampla repercussão nas mídias nacional e internacional.
Embora reconheçamos a relevância da discussão sobre os riscos da radiação ionizante, especialmente em populações vulneráveis e em contextos de uso excessivo ou indiscriminado da tomografia, consideramos essencial esclarecer as limitações técnicas e metodológicas do estudo e seus potenciais impactos indevidos sobre a prática médica, a percepção social e a segurança do paciente.
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1. Modelo de risco com base em extrapolações não diretamente observadas
O estudo baseia-se em projeções derivadas do modelo BEIR VII (Biological Effects of Ionizing Radiation), fundamentado na coorte dos sobreviventes das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki — uma população exposta a doses altas, agudas e sem controle, em contexto completamente distinto da exposição localizada, fracionada e monitorada que ocorre em exames médicos. A extrapolação desses dados para ambientes clínicos modernos apresenta limitações biológicas e epidemiológicas significativas, especialmente em relação ao modelo linear sem limiar (LNT), cuja aplicabilidade a baixas doses permanece objeto de debate científico.
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2. Aplicabilidade limitada à realidade brasileira
O estudo reflete a prática dos Estados Unidos, país com alta disponibilidade de exames, protocolos específicos e volume superior a 90 milhões de TCs por ano. O Brasil, em contraste, apresenta disparidades regionais marcantes no acesso à tomografia e número muito inferior de exames per capita. A aplicação direta dessas estimativas à realidade brasileira pode gerar interpretações equivocadas e alarmismo desnecessário.
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3. Ausência de nexo causal direto comprovado
É fundamental frisar que o estudo não demonstrou associação causal direta entre exames de tomografia e câncer em indivíduos específicos, mas sim estimativas populacionais probabilísticas. Não há, até o momento, evidência empírica robusta que comprove que um exame isolado de tomografia, realizado com técnica adequada, represente risco significativo de neoplasia ao longo da vida.
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4. Benefício clínico amplamente documentado
A tomografia computadorizada é um dos exames diagnósticos mais sensíveis, rápidos e resolutivos disponíveis na prática médica. Estudos clínicos de alta qualidade demonstram que seu uso oportuno está associado à redução de mortalidade, otimização de condutas terapêuticas e agilidade na tomada de decisão, especialmente em situações críticas. Exemplos:
• AVC isquêmico agudo: a TC permite rápida diferenciação entre AVC isquêmico e hemorrágico, viabilizando a trombólise precoce e reduzindo a mortalidade em até 30%.
• Trauma cranioencefálico e abdominal: a TC reduz o tempo até intervenção cirúrgica e está associada à melhora dos desfechos clínicos em pacientes graves.
• Rastreamento de câncer de pulmão: a TC de baixa dose em populações de risco reduz a mortalidade em 20%, conforme demonstrado no estudo NLST.
• Diagnóstico de embolia pulmonar: a angiotomografia pulmonar é hoje o padrão-ouro na avaliação de tromboembolismo pulmonar, condição potencialmente fatal.
• Apendicite aguda: a TC aumenta a acurácia diagnóstica e reduz o número de laparotomias negativas, contribuindo para condutas cirúrgicas mais seguras.
• Neoplasias: é essencial no estadiamento oncológico, avaliação de resposta terapêutica e planejamento cirúrgico ou radioterápico.
Estes e muitos outros exemplos demonstram que a tomografia é insubstituível em diversos contextos clínicos, e sua aplicação adequada salva vidas todos os dias.
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5. Defesa do uso criterioso, justificado e com otimização de dose
A SRad-RJ reitera seu compromisso com a segurança do paciente, a defesa da boa prática médica e o uso responsável dos métodos de imagem. Reforçamos os princípios da justificativa clínica, da otimização da dose (princípio ALARA) e da capacitação técnica contínua dos profissionais envolvidos na solicitação e realização de exames.
É papel das sociedades médicas orientar seus membros, colaborar com autoridades sanitárias e informar a população, sem alarmismo, mas com clareza técnica e responsabilidade ética.
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A tomografia computadorizada, quando empregada de forma adequada, salva vidas, orienta condutas e reduz incertezas diagnósticas. O estudo mencionado traz contribuições importantes para a reflexão sobre o uso racional dos recursos diagnósticos, mas deve ser interpretado com senso crítico e rigor técnico, para não comprometer a confiança da população e dos profissionais de saúde em uma ferramenta diagnóstica essencial à medicina moderna.
A Sociedade de Radiologia do Estado do Rio de Janeiro permanece à disposição da sociedade civil, da imprensa e dos órgãos reguladores para esclarecimentos técnicos e promoção da saúde baseada em evidências.
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Sociedade de Radiologia do Estado do Rio de Janeiro (SRad-RJ)
Rio de Janeiro, 16 de abril de 2025
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